Se a União reconhece a mudança de gênero quando é o caso de interromper o pagamento de um determinado benefício destinado ao sexo feminino, também deve aplicar o mesmo entendimento na situação contrária, ou seja, para concessão do benefício.
O entendimento é do juiz Ivan Lira de Carvalho, da 5ª Vara Federal do Rio Grande do Norte. O magistrado determinou que uma mulher trans receba parte da pensão militar de seu pai.
O militar morreu em 1979, quando a autora do processo tinha apenas 14 anos. À época, ela constava como menino em seu registro, embora já se identificasse como sendo do sexo feminino.
Em 2018, por meio do Provimento 175, ela solicitou a retificação da sua certidão de nascimento e que a pensão, então dividida entre suas duas irmãs, passasse a ser dividida em três. O pedido acabou sendo negado, sob o fundamento de “não preenchimento dos requisitos normativos”.
O magistrado, no entanto, decidiu aplicar, por analogia, decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que cancelou uma pensão depois que o beneficiário, inicialmente registrado no sexo feminino, passou a ser registrado como homem (Processo 0155101-65.2017.4.02.5101).
“Por analogia, se a União reconhece a alteração de gênero para sustar o pagamento, também na mesma via deve considerar para fins de concessão. Afinal, o fundamento em que ambos os casos se lastreiam é um só: o gênero do beneficiário. E isso independentemente de a formalização de tal condição ter sido efetivada posteriormente ao óbito do instituidor do benefício”, diz a decisão.
O juiz também destaca que “a realidade atual não é a mesma de sessenta ou quarenta anos atrás, quando da instituição da lei de regência e do óbito do instituidor do benefício”.
“As vicissitudes são diversas: os direitos sociais alcançaram a união de pessoas do mesmo sexo; a Constituição Federal brasileira principiou o direito à dignidade de cada ser humano de orientar-se de modo livre e merecedor de igualitário respeito; a medicina possibilitou a alteração ou adequação do sexo humano; a sociedade passou a conviver com uma realidade diferenciada dos padrões de outrora, em que o sentir, a apresentação do ser humano para a sociedade, foi elevado a um patamar de importância até então incomum.”
Com a decisão, a autora deverá receber a pensão a partir da data do requerimento administrativo, feito em julho de 2018, inclusive com o pagamento dos 13ª salários correspondentes, e com acréscimos de juros e de correção monetária nos moldes do Manual de Cálculo da Justiça Federal.
Processo 0805303-39.2019.4.05.8400
Fonte: CONJUR