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Trabalho remoto no serviço público não pode justificar corte de salários

Desde o início do combate à epidemia do Covid-19, o Governo Federal vem promovendo uma série de alterações legislativas e editando novas regras com a justificativa da necessidade de redução de gastos financeiros. Dentre tais alterações, algumas atingem de forma bem danosa os servidores públicos federais que estão desempenhando as suas funções através de trabalho remoto. Foram editadas as Instruções Normativas nº 27 e 28, que estabelecem a possibilidade de suspensão do pagamento do auxílio-transporte, de horas extras, adicional noturno, adicional de insalubridade, gratificação de raio-x, gratificação de radiação ionizante para os servidores que estiverem que estiverem desempenhando a sua função remotamente.

Entendo que o momento atual que vivemos e a necessidade de se preservar vidas, fazendo-se necessário o afastamento do ambiente de trabalho de grande parte dos trabalhadores celetistas e estatutários, não podem justificar qualquer redução remuneratória, pois estamos falando de uma situação de força maior. A decretação do estado de calamidade pública configura a situação de força maior e impede o trabalhador de comparecer ao seu local de trabalho por ordem governamental.

É bem verdade que situações de caso fortuito e de força maior são situações imprevisíveis para ambas as partes, empregado e empregador, e deve haver uma composição entre as partes. Contudo, devemos considerar que todas as vantagens pagas aos servidores já estavam previstas no plano orçamentário do Governo e, do mesmo modo, compõem a remuneração que sustenta as famílias dos servidores.

Pois bem, conforme a instrução normativa, fica vedado o pagamento do adicional noturno, dos adicionais de insalubridade, periculosidade, irradiação ionizante e gratificação de Raio x durante o período de trabalho remoto. E, para os servidores que trabalham em regime de escala alternada, os adicionais não serão pagos nos dias em que não houver deslocamento para o trabalho.

Art. 4º Fica vedado o pagamento de adicional noturno de que trata o art. 75 da Lei nº 8.112, de 1990, aos servidores e empregados públicos que executam suas atividades remotamente ou que estejam afastados de suas atividades presenciais pela aplicação do disposto na Instrução Normativa nº 19, de 2020.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput aos casos em que for possível a comprovação da atividade, ainda que remota, prestada em horário compreendido entre vinte e duas horas de um dia e cinco horas do dia seguinte, desde que autorizada pela chefia imediata.

Art. 5º Fica vedado o pagamento de adicionais ocupacionais de insalubridade, periculosidade, irradiação ionizante e gratificação por atividades com Raios X ou substâncias radioativas para os servidores e empregados públicos que executam suas atividades remotamente ou que estejam afastados de suas atividades presenciais pela aplicação do disposto na Instrução Normativa nº 19, de 2020.

Art. 8º Na hipótese de o servidor se encontrar submetido ao regime de turnos alternados de revezamento, aplica-se o disposto nesta Instrução Normativa em relação aos dias em que não houve deslocamento ao trabalho.

Parágrafo único. Para os fins dispostos nos arts. 6º e 7º sua aplicabilidade independe da condição dos servidores estarem ou não em jornadas de turnos alternados de revezamentos.

Entretanto, devemos recordar que tais adicionais, independente de sua natureza transitória (propter laborem) passam a compor o patrimônio remuneratório do servidor público. Talvez grande parte dos servidores possa dar continuidade às suas atividades de forma remota, portanto, é irrazoável que venham a ter a sua remuneração prejudicada. Contudo, mesmo aqueles cuja natureza de sua atividade necessitam estar no local de trabalho para desempenhá-las, como um técnico de laboratório por exemplo, não podem sofrer o prejuízo de revogação do pagamento de tais adicionais, visto que o RJU abona as faltas justificadas em decorrência de força maior.

Art. 44.  O servidor perderá:

I – a remuneração do dia em que faltar ao serviço, sem motivo justificado;                 

II – a parcela de remuneração diária, proporcional aos atrasos, ausências justificadas, ressalvadas as concessões de que trata o art. 97, e saídas antecipadas, salvo na hipótese de compensação de horário, até o mês subseqüente ao da ocorrência, a ser estabelecida pela chefia imediata.               

Parágrafo único.  As faltas justificadas decorrentes de caso fortuito ou de força maior poderão ser compensadas a critério da chefia imediata, sendo assim consideradas como efetivo exercício. 

Assim, se a falta justificada por motivo de força maior pode ser compensada, sem prejuízo da remuneração e será considerada como de efetivo exercício, o que dirá o servidor que está em trabalho remoto (portanto, não se trata de justificar a ausência ao trabalho). As medidas de isolamento social e de quarentena, das quais tem como uma das consequências o trabalho remoto, não se deram a pedido do servidor, mas sim pela adoção de medida sanitária necessária adotada em âmbito federal, estadual e municipal.

Além disso, a própria lei 13.979/20, de 06 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas necessárias para o enfrentamento da pandemia do COVID-19 estabelece:

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: […]

  • 3ºSerá considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente das medidas previstas neste artigo.
  • 4ºAs pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas neste artigo, e o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei.

Portanto, a ausência ao serviço por força das medidas de isolamento social será considerada como falta justificada, e assim, incide o já citado parágrafo único do art. 44 da Lei 8.112/90, que considera como de efetivo exercício a falta decorrente de motivo de força maior.

Num sentido parecido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem decisões que asseguram o direito de servidora em licença à gestante a percepção do adicional de insalubridade.

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR CIVIL. LICENÇA À GESTANTE. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. MANUTENÇÃO.

O direito à licença à gestante servidora pública, sem prejuízo do salário, está assegurado na Constituição Federal. 2. A impetrante tem direito a continuar recebendo a parcela relativa ao adicional de insalubridade no período de licença à gestante, por expressa determinação constitucional e legal. 3. Apelação e remessa oficial improvidas.  

(TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5017595-18.2014.404.7200, 3ª TURMA, Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 25/09/2014)

Assim, o Poder Judiciário já enfrentou a questão de pagamento de adicional propter laborem para servidor afastado do ambiente de trabalho.

Já quanto à vedação de autorização a prestação de serviço extraordinário, em princípio, não há prejuízo ao servidor público, pois, conforme o art. 74 da Lei nº 8.112/90, “somente será permitido serviço extraordinário para atender a situações excepcionais e temporárias”. No entanto, em havendo a prestação de trabalho além da jornada legal, o pagamento do adicional passa a ser devido nos termos do art. 73 do Estatuto dos servidores públicos federais.

Por fim, a Instrução Normativa nº 28 veda o pagamento do auxílio-transporte aos servidores federais em trabalho remoto.

Art. 3º Fica vedado o pagamento do auxílio-transporte aos servidores e empregados públicos que executam suas atividades remotamente ou que estejam afastados de suas atividades presenciais pela aplicação do disposto na Instrução Normativa nº 19, de 2020.

Essa vantagem, tanto para celetistas quanto para estatutários, pode sim ser flexibilizada em não havendo o deslocamento da casa para o local de trabalho. Inclusive, no caso dos servidores federais, quando há aumento de seu vencimento gera a redução do valor pago a título de auxílio-transporte, assim, ocorre que há muitos servidores que recebem um valor irrisório ou mesmo deixam de receber essa vantagem.

No entanto, entendo que não deve haver qualquer supressão na remuneração do servidor/trabalhador, como já dito, já havia previsão no orçamento público para o custeio do auxílio-transporte, o servidor permanece trabalhando e o afastamento para o trabalho remoto deve ser considerado como falta justificada.